domingo, 2 de maio de 2010

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte: um exemplo prático


É inegável que o tema do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável está estabelecido de vez como um dos grandes debates da Política regional e global. Isso porque trata-se de um problema cada dia mais urgente, que atinge a um número imenso de pessoas (nesse caso, poder-se-ia dizer que ele atinge a todas as pessoas do planeta) e que ainda não possui solução viável, dividindo opiniões de todos os stakeholders envolvidos. Estas diversas soluções propostas por atores interessados na questão referem-se necessariamente a quais ações devemos tomar ou deixar de tomar (não ações) para melhorar nossa vida enquanto individuos de uma mesma sociedade. Em outras palavras, o que está em jogo é a própria definição de que liberdades e limites (ou responsabilidades) devemos e podemos ter frente a atual fase de evolução da humanidade.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro Em Busca da Política (Jorge Zahar Ed., 2000), afirma: "a arte da política, se for democrática, é a arte de desmontar os limites à liberdade dos cidadãos; mas é também a arte de autolimitação: a de libertar os individuos para capacitá-los a traçar, individual e coletivamente, seus próprios limites individuais e coletivos" (os grifos são originais). Entretanto, essa definição de limites autoimpostos é um fator dependente dos interesses de cada ator envolvido. Tais interesses, por sua vez, variam de acordo com uma concepção específica da história e uma determinada projeção do futuro, isto é, os interesses são definidos por quem são os atores - e, portanto, por suas histórias pessoais e coletivas - e quem eles querem ser ou aonde querem chegar, suas ambições e desejos para um mesmo futuro compartilhado. Cada ator, portanto, vê a realidade desde o seu ponto de vista, linguagem muitas vezes inacessível para os demais atores.

Jogue todos esses elementos no caldeirão de um debate aberto na Ágora (espaço simultâneamente público e privado de discussões, imprescindível à democracia) e adicione o ingrediente cultural do individualismo existente nos dias de hoje e uma pitadinha de assimetria de poderes entre os diversos grupos, e teremos um elemento químico como a nitroglicerina, tão instável e cheio de tensões que qualquer mudança no ambiente pode causar uma grande explosão. O problema é que algumas mudanças no ambiente, já nos avisou a Ciência, ocorrerão inexoravelmente, como o aumento na temperatura em até dois graus e suas consequências.

Exemplos práticos desses debates são inúmeros, como a Conferência de Copenhague ocorrida em março de 2010 e a Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra promovida pela Bolívia, em resposta à primeira, e ocorrida em abril do mesmo ano. Entretanto, o motivo que gerou esse post foi o debate sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, que depois de mais de 20 anos parece que agora encontrou uma solução. No dia 20 de abril, o TRF da primeira região suspendeu a liminar concedida pela Justiça do Pará que impedia a realização do leilão para a construção da Hidrelétrica. Tal leilão, portanto, deverá ser realizado até o final deste ano e as obras estão previstas para terminarem em 2019. O produto, a terceira maior hidrelétrica do mundo com capacidade de geração de 11 mil megawatts e um grande impacto ambiental.


Ora, é inegável que uma Usina desse porte causará danos ambientais na Floresta Amazônica. Com esse argumento, estão as diversas comunidades indígenas da região, as ONG's e movimentos sociais em defesa do meio ambiente e alguns norteamericanos de interesses duvidosos que defendem a internacionalização da área. Por outro lado, existe o argumento da demanda, o Brasil necessitará cada vez mais dessa energia (ou alguém aí está disposto a deixar de consumir o que consome atualmente?), cujas fontes alternativas não conseguem oferecer em quantidades suficientes, e os habitantes da região necessitam do emprego que irá gerar a Usina. Sobre isso escreve Delfim Neto, em sua coluna O oleiro de Altamira na revista Carta Capital.

O Brasil está entrando em uma fase de desenvolvimento nunca antes atingida em sua história. A reputação e a confiabilidade do país segue crescendo de maneira perceptível a nível internacional. Ainda somos famosos pelo futebol, mas aumenta o número de pessoas que nos conhecem pela nossa trajetória política, pela nossa cultura, pelos nossos programas sociais, pelas nossas decisões econômicas etc.. Lula recentemente foi eleito o líder mundial mais influente pela lista Times 100 da revista americana Times. É verdade que, sim, necessitamos dessa energia que produzirá a Usina de Belo Monte. Mas que a façamos respeitando os direitos dos indígenas da região (como realmente tem sido feito até então) e de forma a agredir minimamente o meio ambiente. Uma solução seria incluir legalmente a participação de uma consultoria ambiental nos dois consórcios que concorrerão no leilão da hidrelétrica.

Não tenho dúvidas, grande parte dos avanços realizados pelo Brasil nesses últimos anos é fruto da tradição democrática que aqui se estabeleceu no pós ditadura. Temos muito o que caminhar, mas somos exemplos para muitos países nesse sentido, sobretudo com a Constituição Federal de 1988 e algumas de nossas instituições políticas. E digo mais, grande parte dos créditos deve ser dada à gestão do governo Lula que se negou a seguir com uma governança guiada exclusivamente pelas teorias neoliberais (que mostraram novamente seu fracasso em 2008/2009) e buscou, junto com a população, uma alternativa que era a nossa cara, ao invés de simplesmente importar estratégias de outras localidades. É preciso acreditar em nossas soluções e discutir incessantemente todo e qualquer tema. É preciso participar democraticamente. É preciso entender que não existe o privado sem o público e vice-versa. Aplausos para as décadas de discussão em torno da contrução da hidrelétrica de Belo Monte e, tenhamos presente que essa discussão ainda não terminou. Fiquemos, pois, de olho!