sábado, 27 de março de 2010

A sociedade como rede dinâmica e os novos rumos da Economia

Cada vez mais, tenho a impressão de que estamos todos interconectados de algum modo. Uma imagem fornecida pela sociologia moderna pode traduzir esse fato de uma maneira bastante clara. Imaginem cada indivíduo como um nó atado em uma rede formada por milhares de pequenos nós. Um ser humano evidentemente não tem relação direta com todos os demais, assim como um nó na rede está atado a um número limitado de nós. Entretanto, de relação em relação, acabamos por nos conectar de alguma maneira com todos os índivíduos que compõem essa vasta rede global. Em termos simples, foi o que demonstrou o turco Orkut Buyukkokten, criador da plataforma de relacionamentos que até hoje é a mais usada no Brasil. Em um certo momento, era possível acessar o perfil de praticamente qualquer pessoa e descobrir por quais contatos você estava ligada a ela. Uma ferramenta criativa e impressionante! Agora imagine que cada nó dessa rede esteja em constante movimento, em constante mudança. E que cada mudança implica no choque, destruição, alteração e formação de ligações com outros nós. E, para complicar, cada mudança implica novas mudanças e por aí em diante. A rede agora se parece um caos, dificilmente entendível. E realmente o é! Mas acerquemos bem nossa visão e poderemos retirar pelo menos três importantes informações dessa metáfora da sociedade como uma rede dinâmica.

A primeira é que não há indíviduos isolados, isto é, que não sofram a influência dos demais. Assim como não existe rede sem seu nós individuais. É o que afirma Norbert Elias em seu fantástico ensaio A sociedade dos indivíduos (Jorge Zahar Ed., 1994). É o que também afirmam outros autores em diversas áreas do conhecimento. Não há indivíduo sem sociedade, nem sociedade sem indivíduos. Não há o privado sem o público, nem o público sem o privado. Margareth Tatcher que me perdoe.

A segunda informação é que mesmo a mais ligeira mudança de apenas um nó é capaz de reconfigurar toda essa densa rede, sendo possível que até seu último elemento a sofra de algum modo. 

E a terceira, que decorre diretamente da segunda, é que apreender todas as mudanças que ocorrem e processá-las racionalmente é impossível. Todo e qualquer olhar sobre a rede é não mais que momentâneo, como uma foto de algo em movimento. É o retrato daquele instante e não pode servir para qualquer tipo de modelo ou previsão para o que ocorrerá nos instantes seguintes. Não há regras universais, não há expectativas homogêneas de comportamento. 

A metáfora se complica ainda mais se agregramos a dimensão psicosociológica e considerarmos que cada relação tem um significado distinto para cada pessoa, e que tal significado compõe a identidade social desse nó de uma forma peculiar e única, mas não chegaremos a tais extremos analíticos nesse post. A idéia central é que a realidade tal qual é não pode ser reduzida a modelos de comportamentos homogêneos e universais, como tentaram - e falharam - diversas teorias em todas as nossas ciências humanas. Entretanto, isso já foi descoberto por inúmeras dessas ciências e há quem diga que, recentemente, depois da crise econômica mundial de 2008/09, também pela que mais relutava em fazê-lo, a Economia. Sobre isso escreve David Brooks, jornalista e colaborador do New York Times em sua coluna dessa última quinta-feira dia 25 de março, The Return of History. Vale a pena ler! Trata-se de um texto interessante que aponta para o que eu creio ser um novo paradigma nas ciências humanas: ao invés da especialização do conhecimento, sua ampliação e depuração pelo diálogo entre suas diversas áreas. Em uma palavra, intersetorialidade. Mas esse é assunto para uma próxima postagem. Até lá!



terça-feira, 23 de março de 2010

O Blog





A idéia de que a vida é uma travessia me apareceu pela primeira vez enquanto lia o fabuloso Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa e foi reforçada pela leitura de Recados do Morro, do mesmo autor. A mensagem que Rosa, homem de imensa sabedoria e portanto, igualmente superticioso, nos passa em seus livros e na maneira como viveu é sobre o poder do caminho e a importância da caminhada para que se cumpra o destino, sobre o qual agem diversas forças além de nossas próprias vontades, muitas além até mesmo de nosso conhecimento. Mas o que cabe ao homem nessa existência fugaz que lhe escapa ao controle a cada tentativa demasiada humana de tomar conta da situação? Tudo. E nada. Ao homem cabe cumprir seu papel, cabe aprender, cabe observar, cabe mudar, cabe, enfim, caminhar com os próprios pés nessa longa e perigosa travessia!


Esse blog não é nada mais que um relato da travessia deste caminhante. Tão pessoal quanto permite ser a visão de um indivíduo que vive em sociedade. Tão coletivo quanto permite uma sociedade pós-moderna composta de indíviduos. Entretanto, não se trata de um relato qualquer, mas sim de impressões e percepções de olhos que querem ver para além da simples superfície, para além da ligeira e fugidia rotina moderna, que se desmancha para se refazer a cada dia. Olhos que pretendem colocar-se no lugar de quem é visto, sem abandonar a posição da qual mira, embora esta também esteja em constante xeque. Olhos que não exitam em buscar e recorrer a outros olhos. Olhos que não têm dono, não têm rumo. Olhos tão seus, quanto meus. E por isso esse blog é também um convite a outras impressões.


E é com esse convite para que ingressem comigo nesse mundo que se forma e nos espera diante de nossos próprios olhos, esse mundo de política, de música, de arte, de cultura, de pessoas e de lugares, de tudo que é humano e selvagem e até de tudo que é anti-humano, que me despeço nesse primeiro post. E é com os pés no chão e a cabeça nas nuvens que começamos essa travessia crítica. Façamos do passo o nosso meio de transporte. Adiante, o caminho!


Viver é mesmo muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.
Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa...
O mais difícil não é ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo,
é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.

Guimarães Rosa