sexta-feira, 23 de abril de 2010

Tempos interessantes

O site do CPFL Cultura traz um projeto muito interessante para o ano de 2010. Trata-se do ciclo de palestras A Transformação do Indivíduo para a Construção da Sociedade Sustentável do Futuro, proposto por Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu - pelo consumo consciente. Tenho seguido as diversas palestras que de maneira geral estão muito boas - embora, na minha opinião, nenhuma tenha abordado o tema de forma direta e clara o suficiente, talvez por que ainda não saibamos como fazer o que devemos fazer diante dessa urgente situação ambiental. Em particular, destaque para a fala de Sérgio Besserman, em sua palestra sobre o consumidor e o indivíduo na era da transição. Sem perguntar se alguém se interessa pelo assunto, já vou logo recomendando o vídeo a todos, uma vez que o tema do desenvolvimento sustentável se faz cada vez mais presente e essencial na vida de cada um de nós.

Besserman, depois de uma breve exposição sobre os principais riscos que corremos enquanto humanidade frente às alterações climáticas do planeta, busca pensar em possíveis caminhos que poderão levar-nos em direção ao suposto desenvolvimento sustentável, conceito do qual ele mesmo adverte, pouco ou nada sabemos. Tais caminhos deveriam passar necessariamente pela tomada de consciência em esfera global desse problema e contar com um comprometimento de todos no sentido de agir para minimizá-lo, tanto a nível público, sobretudo no que tange aos Estados como agrupamento de pessoas em comunidade, quanto a nível individual.

E para piorar, em se tratando de destruição do ambiente do qual fazemos parte, não basta que a metade do globo terrestre pare de contaminar seus rios e seu ar, ou de devastar suas florestas etc. Isso não é suficiente, pois a dinâmica do próprio planeta não respeita as frágeis fronteiras embandeiradas dos países. O ar, os mares, os gases poluentes emitidos tanto pelas indústrias como pelo degelo das camadas polares, as temperaturas, todos eles são de todos e, se por acaso nos tocam a todos de diferentes maneiras, é inegável que não existirá nem mesmo um bioma terrestre que não terá sua dinâmica alterada pelo aquecimento global.

Outro agravante indiscutível é a concentração de riquezas. Ora, aproximadamente um terço do mundo é dono da maior parte dos bens e capitais existentes na terra. A população desses países ditos desenvolvidos é a que mais consome e, portanto, a que mais contribui para o agravamento da crise ambiental. Por outro lado, se olharmos para os dois terços restantes, veremos populações que não querem outra coisa senão finalmente exercer seu sagrado direito de participar da repartição do bolo de riquezas mundial e também ter a chance de consumir um bom padrão de vida. Consequentemente, há uma grande pressão para que exista ainda mais consumo e ainda mais poluição, sem que ninguém possa acusar tais populações de estarem erradas em suas demandas.

Isso quer dizer que o caminho para o chamado desenvolvimento sustentável passa necessariamente por uma adesão global a normas que irão diminuir o crescimento ou alterar radicalmente a dinâmica econômica dos países. E mais além do que o "simples" fato de que temos todos que aderir a tais normas, está a condição essencial, isto é, a conditio sine qua non de que todos devemos fazê-lo levando em conta nossas diferenças e buscando uma via equitativa. Essencial porque ética, porque justa, mas também porque única dentro do sistema democrático, no qual cada país tem sua autonomia e soberania.

Tal cooperação mútua em prol de um bem comum deveria ser, em tese, instantânea, já que a a busca pelos interesses individuais resulta no maior bem estar coletivo, segundo Adam Smith, já citado nesse mesmo blog. Ora, depende de que tese se está falando. Para manter-nos somente dentro da própria Economia, busquemos uma solução pela Teoria dos Jogos. Um país A perderia muito e a curto prazo se trocasse parte de sua produção pela decisão de não poluir o meio ambiente. Perderia mais ainda, se um país B não o fizesse e assim atraísse toda a produção e consumo para seu território, ainda que poluísse muito. Dessa forma, a curto prazo, ambos países racionalmente decidiriam seguir com seus padrões de produção e poluição, pois nenhum teria a menor garantia de uma suposta ação verde por parte do outro. Tal situação é, grosso modo, o que ocorre atualmente e a razão porque, reunidos os líderes mundiais para a Conferência Ambiental de Copenhagen, nada fizeram de concreto - ainda que não houvesse um que desconhecesse as consequências dessas ações a longo prazo.

Novamente as evidências apontam para a necessidade cada vez mais urgente de outro tipo de racionalidade, mais humana, menos egoística, do que essa que nos prega a Economia e que fundamenta a dinâmica de nossos mercados. Pensando nisso, não posso deixar de concordar com Besserman: seguramente viveremos tempos interessantes!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Amor

Há quem diga que ele não passa de uma criação humana, inventado em sua forma romântica pelos trovadores da Idade Média e consagrado nas tragédias de Shakespeare. Há quem diga que ele é um simples produto de reações químicas em nosso corpo e por isso mesmo provam a impossibilidade de seu permanecer no tempo. Há quem diga que, acompanhando a tendência da pós modernidade, também ele se liquefez para adotar as múltiplas formas dos continentes efêmeros que se refazem cotidianamente. Há quem diga que é algo transcendente, etéreo, junção de corpo e alma e que não pode outra coisa senão crescer ao longo do tempo. Há quem diga que é pura carne, pura pele, pura música, pura dor, puro desejo, pura poesia, puro sentimento e há ainda quem afirme sua total incompatibilidade com qualquer tipo de pureza. Mas a verdade é que, em se tratando de Amor, cada um tem sua versão particular, soberana e incontestável, muitas vezes até mesmo pela própria experiência.

Desse sem fim de versões, algumas das que mais me encantam escutar são as produzidas pelos artistas. Aliás, pode-se perguntar: o que seria da arte sem o amor? Gabriel Garcia Marquez, por exemplo, o ilustrou de forma genial em suas diversas facetas. Fez com que todos nós, leitores, nos apaixonássemos perdidamente por Rebeca ao percebê-la através dos olhos refinados de Petro Crespi para logo vê-la fugir com o corpulento José Arcádio. Ou quando perseguímos Renata Remedios (Meme), acompanhados do simples Maurício Babilônia e de suas mariposas amarelas, para morrermos com ele na emboscada em que lhe preparou Fernanda, que o julgava indigno de sua filha, e nos calarmos para sempre com ela, condenada a viver num convento distante. E como sofremos com Aureliano Babilônia ao escutar os incontroláveis gritos de amor emitidos a qualquer hora e em qualquer lugar por Amaranta Úrsula e Gastón, até o dia em que não mais conseguimos nos deter e a possuímos ali mesmo no quarto, contando só com a mordaça do lençol para conter os mais profundos gemidos de sua alma e não despertar a atenção do marido no aposento ao lado. Isso para restringir-se apenas ao inesgotável Cem Anos de Solidão.

Julio Cortazar, em sua obra Rayuela, nos relata a evolução e a decadência do amor entre Maga e Oliveira. Ela, ignora por completo as grandes letras, mas possui uma naturalidade em sua coragem no agir cotidiano que embarcou com seu filho recém-nascido em Montevideo na terceira classe de um navio rumo a Paris, sem nenhum dinheiro no bolso. Já ele, de Buenos Aires, apesar de brilhante pensador, capaz de manter um debate durante horas no clube da serpente, perde-se facilmente em epifanias filosóficas que não levam a nenhum lugar e está sempre buscando algo que não sabe o que é. Ela "nada en el río, mientras él lo mira de lejos".

Outro exemplo é Pyle, personagem norteamericano do escritor inglês Graham Greene, que empreende uma dura viagem à mais inóspita região de um Vietnã em guerra, só para dizer ao jornalista Fowler que se apaixou perdidamente pela jovem Fuong, sua companheira, e fará de tudo para conquistá-la. O melhor é que, para empreender a conquista da mais bela dançarina de Hanoi, traz consigo a comprovação da herança que receberá do pai e alguns exames sanguíneos para mostrar que é realmente saudável a ponto de ter filhos. E quem poderia se esquecer do amor de Chicó e Rosinha, que tem de contar com as numerosas astúcias do amarelo João Grilo para poder escapar do coronelismo e clientelismo do sertão da Paraíba (Ver trechos do filme O Auto da Compadecida 1 e 2)

Há ainda o amor cantado, que no Brasil inspirou algumas das mais formidáveis expressões da cultura nacional. Distante, expulso pelas árduas condições naturais do sertão, Luiz Gonzaga o canta em Asa Branca. Noel Rosa o canta sob as condições sociais, raciais e econômicas do Rio de Janeiro. Caetano Veloso e Chico Buarque cantam suas versões próprias do amor que não deu certo. A Bossa Nova o canta em sua relação com a vida, seus mistérios e perigos. Cazuza canta seu amor exagerado, sempre conflituoso, ora romântico, ora puro sexo e desejo, "meio bossa nova e rock n' roll". Até mesmo os mineiros, com seu jeitinho calado de mais fazer do que dizerem que fizeram, soltam a voz em grande estilo quando o assunto é amor: Beto Guedes e seu sagrado Amor de Índio, Milton Nascimento e sua Travessia, 14 Bis em Linda Juventude, Vander Lee com Contra o Tempo e tantos outros.

Nos livros, nos filmes, nas canções, na ciência e sobretudo na vida cotidiana, o amor se infiltra e consolida-se como um tema indispensável para a vida! E em meio a tantas versões, se me permitem os ilustres, eu também gostaria de compartilhar em breves palavras minha visão particular, que reflete nada mais que o pouco que aprendi desse inarrável sentimento. Negação última da razão, amar é encontrar-se com o outro em toda sua humanidade. É percebê-lo como um universo, um emaranhado de sentimentos e desejos, muitas vezes contraditórios. Mas é também saber que esse encontro nunca pode ser unilateral e, portanto, é deixar-se amar, desnudar-se frente ao outro para que ele possa descobrir-te em toda sua plenitude. É aceitar-se e se expôr de maneira brutalmente franca. É perder as defesas, mas alargar os limites. É uma sensação infinita de ser-estar no mundo. É, por fim, a melhor solução e ao mesmo tempo aquela que ainda não sabemos como tomar!

Estou divangando! E um sentimento inquieto já me convida a deixar a contemplação e lançar-me de novo ao mundo, porque amar também é sinônimo de viver. Deixo então, para quem se atrever, as três perguntas que motivaram esse post e que ainda permanecem sem resposta. O que é o amor? Seria ele possível no mundo de hoje? E, algum dia, enquanto humanidade, soubemos amar? Com essas inquietudes ainda ocupando-me a cuca, me despeço. Até a próxima!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Outras razões para se viver

Esta semana, em uma aula de Dirección de Recursos Humanos na Universidad de Santiago de Chile - USACH, o professor, no calor da explicação da matéria, acabou se enveredando por caminhos que nada tinham que ver com o que estava tentando dizer à turma e pronunciou a seguinte frase: "É que vocês ainda são jovens e possuem o coração maior do que o cérebro, mas verão que com o passar dos anos o cérebro de vocês vai naturalmente crescer e ultrapassar em tamanho seus corações". Esta sentença não só é uma péssima resposta ao comentário demasiado apaixonado de um aluno - que o professor óbviamente julgou ser deveras inocente - mas também, e desafortunadamente, uma boa síntese do pensamento predominante no mundo de hoje.

Tal pensamento, pode-se dizer, é fruto de uma revolução da ciência que iniciou-se no século XVI, o Iluminismo. Nesse período consagrou-se a utilização da razão sobre toda e qualquer outra forma de conhecimento. É dizer que nenhum conhecimento alcançado por meios desconhecidos pela razão humana poderia ser considerado legítimo ou válido. Descartes, em sua obra Discurso sobre o método (1637), viu-se duvidando de tudo o que existia. Imagine um homem que, desde sua sala de leitura, abrigado confortavelmente do frio do inverno pelo calor das chamas crepitantes em sua lareira, mira o que lhe parece ser um cachorro branco em meio à neve distante que se acumula do lado de fora. Em um breve instante, porém, ao fixar os olhos, ele percebe que não se trata de um cachorro, mas sim de uma ovelha. Ora, se os olhos desse homem o fizeram confundir-se quanto à verdadeira existência do cachorro na neve, porque acreditar nas informações que nos enviam a cada momento nossos sentidos? E se a chama daquela lareira não estiver realmente crepitando e aquecendo o ambiente e o calor for somente um equívoco do tato? E se tudo não passar de um sonho? Assim, Descartes chegou à conclusão de que só podemos crer nas coisas que são indubtáveis, ou seja, não podem ser contrariadas pela razão - o ceticismo metodológico. E foi ao extremo desse pensamento para provar racionalmente a própria existência humana: pode-se duvidar de qualquer coisa existente, menos da própria dúvida, já que ela é realização do ato mesmo de duvidar. Cogito ergo sum.

Entretanto, ao avançar um pouco na leitura de Descartes descobrimos algo mais do que a simples idéia de que Matrix é um filme extremamente cartesiano. O filósofo continua sua descrição sobre o método racional de descobrimento da verdade afirmando que este conta de 4 etapas: verificar (duvidar), analisar, sintetizar e enumerar. Isso significa que esta razão que proclama o Iluminismo como a única legítima para revelar-nos o mundo é uma razão analítica, lógica, cartesiana e não sentimental ou emocional. É uma razão imanente e não transcendente.

Outro autor iluminista que ainda exerce grande influência no pensamento atual é Adam Smith. Em seu livro A riqueza das nações (1776), Smith defende a idéia de que cada indivíduo, visando apenas seu próprio bem-estar, pode provocar um bem-estar coletivo através do mercado e de sua suposta auto-regulação, que o autor ilustrou como se fosse uma mão invisível. Além disso, Smith cria um modelo de uma fábrica de alfinetes onde cada trabalhador exerce uma tarefa específica, em um sistema de divisão de trabalho que mais tarde influenciará a grande fábrica de Henry Ford e todo o fenômeno do fordismo. Tal modelo de Smith rompe com o então modo de trabalho baseado nas corporações, onde o conhecimento era passado de artesão para artesão de maneira que todos eram artífices de seus ofícios, para implantar um sistema mais eficiente em que apenas uma cabeça pensa e os demais somente repetem uma série de tarefas coordenadas. Ora, então podemos afirmar que essa razão iluminista é sim uma razão analítica, mas também individual e instrumental, na medida em que aparece a preocupação em produzir mais gastando-se cada vez menos.

Mas não era essa mesma razão analítica instrumental que estava por detrás da sentença proferida pelo professor de recursos humanos? - Não sejam tolos, pensem com seus cérebros e não com seus corações. Era o aviso que ele sutilmente passou a toda classe. Classe que, diga-se de passagem, estava ali reunida para aprender deste homem com gerenciar, da forma mais eficiente possível, os recursos humanos existentes em uma dada empresa ou em um governo. Por outro lado, é essa mesma razão que gera uma série de situações trágicas que presenciamos em nosso cotidiano. E é essa mesma razão que faz com que não nos movamos, ou melhor, muitas vezes nem sequer nos importemos frente a tais situações. Essa mesma razão que sustenta um sistema capitalista excessivamente competitivo e nunca cooperativo e que acaba por gerar pobreza, miséria, degradação humana e ambiental.

Em entrevista ao programa Sempre um Papo no dia 27 de junho de 2009, o teólogo Leonardo Boff fala sobre a necessidade de uma mudança de paradigma. Uma mudança que não significaria um rompimento total e completo com o paradigma anterior, mas que agregaria a essa razão analítico-instrumental uma razão emocional, fraterna, social, espiritual e ética. Uma razão mais inteligente, porque mais humana. Uma razão transcendente e não imanente. Vale a pena escutar as palavras desse sábio que é um dos grandes pensadores da Teologia da Libertação no Brasil e aprender com ele que precisamos de outras razões para viver. Fica o link da entrevista, como sugestão!