sábado, 19 de março de 2011

Madrugada



"(...) Porque se chamavam homens
também se chamavam sonhos
e sonhos não envelhecem(...)"

(Clube da Esquina nº 2  - Lô Borges, Márcio Borges e Milton Nascimento)


Para mim a madrugada sempre representou a liberdade. Nessa hora misteriosa em que todas as pessoas normais se rendem ao sono, levando consigo ao recolhimento incólume de seus leitos seus personagens, máscaras e engrenagens cotidianos; nesse momento, passada a esquina da meia-noite, como diria Gabriel García Márquez, surge a possibilidade do surpreendente, do inacreditável, do impossível. Caem as máscaras, mudam-se as personagens e o homem de negócios torna-se o pierrot que se ilude com a incansável dança dos perfumes, imaginando descer vagarosamente à cintura de sua amada, mesmo sabendo que talvez nunca o fará. E a trabalhadora, ao entrar na roda torna-se Oxum, vaidosa Deusa africana, fazendo subir o amor dos homens que em seu entorno a cobrem de adornos e propostas sensuais.

A madrugada é o instante em que o sonho vence o laborioso pragmatismo da realidade e a fantasia pode tomar conta, fazendo a humanidade brotar novamente no homem. Eu, que sempre fui de sonhar acordado, prefiro sair por aí, celebrando uma liberdade que muitas vezes nem existe, em meio a insensatos delírios sobre o que fazer com ela. Como o rei de As Mil e uma Noites, é das histórias noturnas que retiro a energia que combate as atrozes decepções da luz do dia. É recomeço. Ponto de partida..

"Quem nasce lá na vila,
nem sequer vacila
ao abraçar o samba
que faz dançar os galhos do arvoredo
e faz a lua nascer
mais cedo"
(Feitiço da vila - Noel Rosa)