quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A "faxina" de Dilma: possibilidades de uma revolução política



Está na por toda a imprensa a notícia de que a Presidenta Dilma tem enfrentado com pulso firme as práticas políticas corruptas que ocorrem desde o Palácio do Planalto até o Congresso Nacional, passando pela Esplanada dos Ministérios. Os jornalistas, que são ótimos para inventar alcunhas, até puseram o nome de "faxina" nos sucessivos atos praticados pela chefe do poder executivo brasileiro, embora ela mesma nunca tenha se utilizado de tal expressão. Mas o que leva a tamanho espanto (positivo ou negativo) causado pelos corretivos certeiros aplicados por Dilma aos corruptos?

Para tentar responder essa pergunta, é interessante fazer uma breve retrospectiva crítica pelo período democrático brasileiro. Como é sabido, este período começou após a proclamação da República, em 1889, ocasião em que o governo provisório de Deodoro da Fonseca deu início à chamada República Velha, que se estenderia até os anos de 1930. Foi a primeira experiência republicana e democrática de nosso país, caracterizado por uma economia exportadora primitiva, baseada sobretudo no café. Em termos políticos, esses anos ficaram conhecidos pelas práticas do coronelismo e clientelismo, assim como da política do café com leite, que em suma consistia numa escolha prévia do vencedor das eleições, hora mineiro, hora paulista. Havia então uma redução do conceito de soberania popular, uma vez que os líderes eleitos democraticamente representavam tão somente uma classe oligárquica minoritária e os votos, conseguidos em troca de favores eleitoreiros, existiam apenas para legitimar uma escolha definida a priori.

Após a Revolução de 1930 e o golpe de Estado que levou Getúlio Vargas ao poder, o cenário político começa a mudar gradativamente no país. O eixo São Paulo - Minas Gerais deixou de ser economicamente sustentável, principalmente com as quedas sucessivas do preço do café, cujo valor era (e, em grande medida, ainda é) agregado fora do Brasil, em países como Alemanha e Bélgica. Outros estados federados começam a disputar mais fortemente a prerrogativa de estabelecer um projeto de país e eis que surge o gaúcho Getúlio e seu ideal do nacional desenvolvimentismo. Também nessa época as classes médias urbanas haviam se fortalecido frente à aristocracia agrícola, o que contribui para uma mudança na Política (e no jeito de fazer política), agora amplamente baseada na gramática do coorporativismo. Ora, era preciso conciliar os interesses de uma classe de trabalhadores desprovidos de direitos e de um grupo de industriais e comerciantes, cujo papel era fundamental para o crescimento do país. Isso tudo sem incomodar demais os grandes agricultores, pois eles eram também grandes exportadores. Assim, o ofício de fazer política ampliou suas alianças, negociações, barganhas para incluir e cooptar uma gama de interesses nunca antes tão plurais e diversos.

Após a queda do Estado Novo em 45, depois de um breve período ditatorial de Vargas, volta à cena a democracia, que tem na figura de Juscelino Kubitschek o novo grande condutor do desenvolvimentismo nacional. Cresce o Estado, aumenta-se a máquina pública e os gastos com investimentos em infra-estrutura e propõe-se atingir um avanço de 50 anos em apenas 5. Como conseguir tal façanha em termos políticos? Novamente é preciso incluir diversos interesses em uma só frente de intervenção. Novamente são utilizadas estratégicas de barganhas, negociações e cooptações. Entretanto, quando mais na frente, o gasto estatal começa a ficar insustentável, o que é comum pois nenhum crescimento consegue manter o fôlego infinitamente, os diversos interesses começam a incomodar-se e entrar em conflito. É preciso começar a conviver com mais atos oposicionistas e oportunistas. Fazer política torna-se tarefa cada vez mais complexa, o que piora em um contexto de guerra fria. Juscelino morre em um acidente suspeito, Getúlio suicida-se para evitar um golpe prematuro, Jânio Quadros não permanece nem 4 completas estações no poder e Jango é destituído. Inicia-se um período militar que aproveita do ambiente não democrático para instituir uma série de reformas, muitas, é preciso reconhecer, necessárias para a adequação do país a um novo contexto.

Após a redemocratização, quase 100 anos depois da proclamação da república, figura um quadro de recessão e hiper inflação no Brasil. Entretanto, há uma diferença crucial: na sociedade nasce cada vez mais forte um pacto em prol da democracia, que nos leva a crer que não serão mais tolerados custos sociais tão elevados em prol de reformas necessárias, como ocorreu no período militar. A Constituição, progressista, social, cidadã, é o instrumento que institucionaliza tal pacto (e que seria somente um papel como tantos outros se não fosse a força da sociedade existente em dito pacto). Novamente era preciso organizar a população brasileira em prol de um rumo de desenvolvimento e redução de desigualdades. Em que pese as experiências dos Governos Sarney, Collor e Itamar, é no governo de FHC e na estabilização monetária que o país estabelece as bases até hoje fundamentais para atingir esse objetivo. Se por um lado essas bases são econômicas, por outro são também políticas. E a maneira encontrada para garantir um bom exercício do poder foi governar a partir de uma ampla coligação de partidos que apoiam uma certa posição de governo.  Para conseguir esse apoio usou-se e abusou-se da distribuição de cargos para parlamentares no executivo, além de ampliar em muito as verbas de emendas parlamentares, dinheiro público gasto com pouquíssimo controle e, ouso dizer, baixa efetividade e altos ganhos de apropriação política. É o chamado presidencialismo de coalizão. Foi assim com FHC, com Lula e não é diferente com Dilma. Mas então, o que é realmente diferente com a Dilma? (em outras palavras, por que tive que ler esse gigante desvio histórico?)

O que faz a Dilma realmente diferente de seus antecessores é o fato de ela estar combatendo práticas de corrupção e apropriação indevida de verbas públicas que sustentaram o exercício político durante toda a história democrática do Brasil (em outras palavras, porque não existe resposta fácil, ou seja, não existem atalhos objetivos capazes de solucionar perguntas complexas). Todas as gramáticas políticas praticadas pelo Brasil, em que pese serem legítimas, representaram em alguma medida uma redução da soberania popular. Coronelismo, clientelismo, coorporativismo, insulamento burocrático e presidencialismo de coalizão, todos eles de alguma maneira conviviam com práticas corruptas, personalistas, aproveitadoras, que terminavam por sustentar um projeto maior de governo. Todos eles, na verdade, convivem com essas pequenas disfunções, como se fossem o rejeito, o lixo, irremediavelmente produzido na criação de um produto necessário. Uns mais outros menos, claro.

Dessa forma, ao voltar-se com mais intolerância contra essas pequenas grandes práticas (que podem chegar a dominar completamente o exercício de algumas agências públicas), a Presidenta tem tudo para empreender uma limpeza histórica no jeito de fazer política deste País. E isso com uma aprovação maior do que todos os seus antecessores recentes. Mas ainda, estou convencido que Dilma só conseguiu iniciar tal façanha porque ela é possível! Isso significa que o Brasil vive hoje uma situação social, histórica, econômica e política que possibilita tais atos. É como se fosse uma mistura da ousadia e coragem da Presidenta com o contexto atual brasileiro. Em termos mais simples, significa a pessoa certa, no lugar e hora certos. E isso se deve muito à crescente maturidade democrática da população do Brasil: mais participativa, mais exigente, mais educada, enfim, mais cidadã.

Se os atos continuarão e se tornarão em uma verdadeira faxina revolucionária eu não sei. Mas torço honestamente para que assim seja!

Um comentário:

  1. Bruno,
    bacana a análise, até por envolver a questão histórica da formação política brasileira. Formação esta que ainda se encontra em período de amadurecimento, freada forçosamente nos seus 25 anos de ditadura militar por uma longa recessão.
    Creio que a gramática mais relevante das citadas continua sendo o clientelismo, onde trocas generalizadas ocorrem nos relacionamentos baseados no forte personalismo da política brasileira e das relações interpessoais. Clientelismo que tem dentre suas variáveis o fisiologismo e o patrimonialismo(apropriação de bem público pelas elites privadas ou públicas, em sua maior expressão).
    Mesmo que o insulamento burocrático venha para contrabalancear as gramáticas supracitadas, nada garante que o corpo técnico que formula políticas públicas não seja corruptível. E outra questão: o insulamento inibe o crescimento e maturação de uma governança participativa, pois a criação de ilhas de "racionalidade" nem sempre levarão em conta a vontade popular(deve ser bem entendida, não sendo alvo do populismo que permeou a política Getulista e JK).
    O universalismo de procedimentos baseado em normas impessoais, equalização de direitos, legitimidade, formalismo e legalidade, poderia refrear as trocas pessoais. Exemplos: eleições, referendos, concursos públicos, etc. Todavia, a estrutura do Estado brasileiro e, principalmente, da formação do poder executivo impedem que normas impessoais sejam predominantes. O presidencialismo de coalizão( nos estados federativos também ocorre, de certa forma, essa situação) não permite que atores vinculados ao bem público, preocupados com a res pública ocupem cargos da alta administração nos ministérios(em todos seus cargos de 1°,2° e 3° escalão) e suas agências e companhias(heranças de um período neoliberal de Estado Mínimo).
    Toda essa questão torna-se um ciclo vicioso que somente com um pulso firme do(a) presidente em vigência poderia ser interrompido, para que o processo democrático possa ter legitimidade perante aos "governados".

    Abraço!

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