sexta-feira, 16 de abril de 2010

Amor

Há quem diga que ele não passa de uma criação humana, inventado em sua forma romântica pelos trovadores da Idade Média e consagrado nas tragédias de Shakespeare. Há quem diga que ele é um simples produto de reações químicas em nosso corpo e por isso mesmo provam a impossibilidade de seu permanecer no tempo. Há quem diga que, acompanhando a tendência da pós modernidade, também ele se liquefez para adotar as múltiplas formas dos continentes efêmeros que se refazem cotidianamente. Há quem diga que é algo transcendente, etéreo, junção de corpo e alma e que não pode outra coisa senão crescer ao longo do tempo. Há quem diga que é pura carne, pura pele, pura música, pura dor, puro desejo, pura poesia, puro sentimento e há ainda quem afirme sua total incompatibilidade com qualquer tipo de pureza. Mas a verdade é que, em se tratando de Amor, cada um tem sua versão particular, soberana e incontestável, muitas vezes até mesmo pela própria experiência.

Desse sem fim de versões, algumas das que mais me encantam escutar são as produzidas pelos artistas. Aliás, pode-se perguntar: o que seria da arte sem o amor? Gabriel Garcia Marquez, por exemplo, o ilustrou de forma genial em suas diversas facetas. Fez com que todos nós, leitores, nos apaixonássemos perdidamente por Rebeca ao percebê-la através dos olhos refinados de Petro Crespi para logo vê-la fugir com o corpulento José Arcádio. Ou quando perseguímos Renata Remedios (Meme), acompanhados do simples Maurício Babilônia e de suas mariposas amarelas, para morrermos com ele na emboscada em que lhe preparou Fernanda, que o julgava indigno de sua filha, e nos calarmos para sempre com ela, condenada a viver num convento distante. E como sofremos com Aureliano Babilônia ao escutar os incontroláveis gritos de amor emitidos a qualquer hora e em qualquer lugar por Amaranta Úrsula e Gastón, até o dia em que não mais conseguimos nos deter e a possuímos ali mesmo no quarto, contando só com a mordaça do lençol para conter os mais profundos gemidos de sua alma e não despertar a atenção do marido no aposento ao lado. Isso para restringir-se apenas ao inesgotável Cem Anos de Solidão.

Julio Cortazar, em sua obra Rayuela, nos relata a evolução e a decadência do amor entre Maga e Oliveira. Ela, ignora por completo as grandes letras, mas possui uma naturalidade em sua coragem no agir cotidiano que embarcou com seu filho recém-nascido em Montevideo na terceira classe de um navio rumo a Paris, sem nenhum dinheiro no bolso. Já ele, de Buenos Aires, apesar de brilhante pensador, capaz de manter um debate durante horas no clube da serpente, perde-se facilmente em epifanias filosóficas que não levam a nenhum lugar e está sempre buscando algo que não sabe o que é. Ela "nada en el río, mientras él lo mira de lejos".

Outro exemplo é Pyle, personagem norteamericano do escritor inglês Graham Greene, que empreende uma dura viagem à mais inóspita região de um Vietnã em guerra, só para dizer ao jornalista Fowler que se apaixou perdidamente pela jovem Fuong, sua companheira, e fará de tudo para conquistá-la. O melhor é que, para empreender a conquista da mais bela dançarina de Hanoi, traz consigo a comprovação da herança que receberá do pai e alguns exames sanguíneos para mostrar que é realmente saudável a ponto de ter filhos. E quem poderia se esquecer do amor de Chicó e Rosinha, que tem de contar com as numerosas astúcias do amarelo João Grilo para poder escapar do coronelismo e clientelismo do sertão da Paraíba (Ver trechos do filme O Auto da Compadecida 1 e 2)

Há ainda o amor cantado, que no Brasil inspirou algumas das mais formidáveis expressões da cultura nacional. Distante, expulso pelas árduas condições naturais do sertão, Luiz Gonzaga o canta em Asa Branca. Noel Rosa o canta sob as condições sociais, raciais e econômicas do Rio de Janeiro. Caetano Veloso e Chico Buarque cantam suas versões próprias do amor que não deu certo. A Bossa Nova o canta em sua relação com a vida, seus mistérios e perigos. Cazuza canta seu amor exagerado, sempre conflituoso, ora romântico, ora puro sexo e desejo, "meio bossa nova e rock n' roll". Até mesmo os mineiros, com seu jeitinho calado de mais fazer do que dizerem que fizeram, soltam a voz em grande estilo quando o assunto é amor: Beto Guedes e seu sagrado Amor de Índio, Milton Nascimento e sua Travessia, 14 Bis em Linda Juventude, Vander Lee com Contra o Tempo e tantos outros.

Nos livros, nos filmes, nas canções, na ciência e sobretudo na vida cotidiana, o amor se infiltra e consolida-se como um tema indispensável para a vida! E em meio a tantas versões, se me permitem os ilustres, eu também gostaria de compartilhar em breves palavras minha visão particular, que reflete nada mais que o pouco que aprendi desse inarrável sentimento. Negação última da razão, amar é encontrar-se com o outro em toda sua humanidade. É percebê-lo como um universo, um emaranhado de sentimentos e desejos, muitas vezes contraditórios. Mas é também saber que esse encontro nunca pode ser unilateral e, portanto, é deixar-se amar, desnudar-se frente ao outro para que ele possa descobrir-te em toda sua plenitude. É aceitar-se e se expôr de maneira brutalmente franca. É perder as defesas, mas alargar os limites. É uma sensação infinita de ser-estar no mundo. É, por fim, a melhor solução e ao mesmo tempo aquela que ainda não sabemos como tomar!

Estou divangando! E um sentimento inquieto já me convida a deixar a contemplação e lançar-me de novo ao mundo, porque amar também é sinônimo de viver. Deixo então, para quem se atrever, as três perguntas que motivaram esse post e que ainda permanecem sem resposta. O que é o amor? Seria ele possível no mundo de hoje? E, algum dia, enquanto humanidade, soubemos amar? Com essas inquietudes ainda ocupando-me a cuca, me despeço. Até a próxima!

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